domingo, 25 de julho de 2010

Pedido de socorro


Terça-feira a tarde, já estava na TV com a relação de pautas que faria. Foi quando recebi uma ligação. A senhora emocionada falou seu nome, na hora não lembrei quem era, mas depois quando ela disse que já havia falado comigo e me chamou de "meu amor", a forma carinhosa me fez lembrar de quem se tratava.
Há quase dois anos fui fazer uma reportagem sobre os moradores de um loteamento na cidade que aguardavam a construção de casas populares. Conversei com alguns, entre eles tia Zulma. Na época ela faceira, sentada em frente a casa tomando chimarrão com os vizinhos, me contou que sofria muito com a doença. Eu dei um cartão para ela e me coloquei a disposição.
Ela guardou o cartão e tanto tempo depois ainda lembrou da minha oferta. Desmarquei os demais compromissos e fui até a casa dela. Mas nosso segundo encontro não foi como o primeiro.
Encontrei tia Zulma deitada em uma cama, debilitada, sem ter forças para caminhar e com um olhar angustiado, clamando por socorro.
Eu cheguei próximo a cama e ela não segurou mais as lágrimas. Tia Zulma sofre de uma doença rara no intestino delgado e anemia crônica, tem hemorragia constantemente e precisa fazer transfusão de sangue a cada sete dias. Os medicamentos custam 360 reais e ela que recebe um salário mínimo não tem como comprar.
Mas não foi a doença que a fez me ligar tão desesperada, a casa em que mora está prestes a desabar. Tia Zulma é moradora do loteamento Anglo, às margens do canal do Pepino, com o tempo a agua apodreceu a estrutura que hoje está cedendo, algumas estacas de madeira ajudam a segurar. Ela mora sozinha, uma vizinha a cuida durante o dia e a noite tranca a porta pelo lado de fora. Ela me disse que olha pelas frestas da madeira a agua subindo que invade a casa e precisa gritar até os vizinhos arrombarem a porta para retirá-la.
O único filho de tia Zulma está internado no hospital espírita, é dependente de álcool e drogas, e foi ela, mesmo deitada na cama que conseguiu o tratamento para ele.
As lágrimas de tia Zulma não são pela doença ou pelo filho, e sim pelas condições precárias da casa de madeira que ameaça a desabar.
Ter encontrado ela naquele estado me deixou muito mal, acho que todos da equipe que estiveram lá também ficaram, como o cinegrafista e o iluminador que pisavam com cuidado no assoalho de madeira, praticamente todo quebrado. Liguei para o Artur, chefe de jornalismo, que prometeu ajudar. Ele entrou em contato com a secretaria de cidadania, o secretário adjunto Roger Ney, uma assistente social e a coordenadora da casa de passagem que nos acompanharam até a casa da tia Zulma. Ela nos recebeu muito emocionada, mas mostrou resistência com a proposta de sair de casa. As principais preocupações eram perder a casa e o pouco que tem e a falta de um lar para o filho quando sair do tratamento.
Depois de conversar com as profissionais, ela mudou de ideia e decidiu ir para a casa de passagem.
Roger Ney e o líder comunitário se empenharam em conseguiram um caminhão e um depósito para levar os móveis e objetos. Os moradores se comprometeram em cuidar da casa da aposentada.
Na hora de levantar da cama, Zulma se sentiu mal, passou com dificuldade pela pequena porta, o carro da prefeitura não conseguiu chegar até a casa dela e é amparada e levada as pressas para o pronto socorro.
Depois de receber medicação e a transfusão de sangue foi levada para a casa de passagem. Hoje com sorriso no rosto, se mostra satisfeita com o provisório lar. Durante a entrevista que fiz com ela, depois de estar num ambiente limpo, calmo e sendo bem tratada, falou dos outros moradores do loteamento que também passam por dificuldades, minha próxima meta, ajudar aquelas pessoas.
Recebi permissão para vê-la quando quiser e combinamos que irei na semana que vem. Tia Zulma já faz parte da minha vida e com certeza nunca mais vou esquecer a história dela.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A incoerência dos números


Para alguns a minha indignação soa exagerada. Porque alguém brigaria por 0,5?
Eu explico. Nesse espaço cabe valorizar mais de um ano de dedicação, pesquisa e busca de orientações.
Nos últimos meses passei em frente ao computador escrevendo, catando teóricos para um tema sem bibliografia, religiosamente as 7:55 da manhã de todos os sábados batia na casa do Toninho para orientação. Sem faltar, sempre preocupada com o trabalho, sempre querendo fazer o melhor, nunca satisfeita com o material, porque me propus a trabalhar um tema que ninguém nunca falou e que de certa forma tem grande importância para o jornalismo.
Dedicação total, tanto que durante os três meses fui duas vezes só para Amaral.
Sem falar na pesquisa, que me despenquei até Porto Alegre para acompanhei as emissoras de televisão.
Todo um trabalho de não apenas um semestre, mas de um ano, acabou virando 9,5. Todo o meu esforço pelo 10, não valeu. É como se eu também não tivesse sido 10 na faculdade.
Minha revolta com os números tem pouco haver com minha banca, acho que foi uma das mais qualificadas deste semestre, fizeram excelentes questionamentos e observações importantíssimas.
O que me incomoda é o sistema. Eu que sempre fui uma aluna assídua, responsável e dedicada tirei 9,5 num trabalho de 115 páginas todo feito por mim.
Já colegas que na sexta-feira anterior a segunda da entrega não tinham NADA pronto tiraram a mesma nota. Ou pior, colegas que nunca foram a uma orientação, que resolveram escrever na última semana e que afirmaram copiar da internet, tiraram 10.
É por isso que estou tão incomodada, como pode o sistema não ser justo? Como pode quem faz de conta, quem finge que fez, ainda contar com alegria que tirou 10 e receber os parabéns por uma mentira.

Numa troca de email com o chefe de jornalismo do SBT, que me recebeu para fazer a pesquisa, comecei a chorar.

Trecho do email:

JORNALISTA Camila ...

Na verdade acho vc nasceu jornalista! Ninguém se torna jornalista na faculdade, na TV, no rádio. Jornalista está no sangue... na vontade de falar, correr em busca do fato, brigar com o entrevistado ... e por fim, ver sua notícia indo pro ar e informando quem está do outro lado! (...)

Ainda não aceitei a nota que levei, mas entendi que para ser jornalista, não é o 9,5 que vai importar. Jornalismo é muito mais que uma nota, é preciso ter vocação.